AUTOFICÇÃO
Dir. Ricardo Targino | Prod. Vania Catani | 100 min | Conclusão: Out/2025
"Crise climática através de lentes contracoloniais"
Um mergulho na alma mestiça do Brasil e na complexidade de suas identidades raciais do país. Através da jornada do diretor e ativista Ricardo Targino, o filme entrelaça o pessoal e o político ao percorrer os escombros do colonialismo para chegar ao DNA da crise climática que ameaça transformar o Vale do Jequitinhonha em cemitério climático, com 18 das 20 cidades que mais aqueceram no Brasil.
Não se trata apenas de documentar o presente, é preciso reinterpretar o passado para salvar o futuro. Eis o papel da ficção no documentário: é ato político para a invenção de futuros possíveis.
Um Filme de Encruzilhada
Este documentário explora as complexas intersecções entre história, identidade e meio ambiente no Vale do Jequitinhonha. Como uma verdadeira encruzilhada de questões socioambientais, o filme navega por quatro dimensões fundamentais que se entrelaçam e definem o passado, presente e futuro desta região emblemática do Brasil.
Identidade Racial
A busca pessoal do diretor por compreender sua mestiçagem, explorando raízes africanas, indígenas e europeias que se fundem no caldeirão cultural do Vale. Uma jornada íntima que reflete a formação racial brasileira e seus silenciamentos históricos.
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Crise Climática
O Vale como laboratório vivo das contradições ambientais brasileiras. Documentamos as transformações dramáticas na paisagem, o aumento das temperaturas extremas, a escassez hídrica e as comunidades que resistem adaptando práticas ancestrais para sobreviver às novas realidades climáticas.
Colonialidade
Os escombros de séculos de exploração e racismo ambiental. Registramos os impactos das políticas extrativistas desde o período colonial até os projetos desenvolvimentistas contemporâneos, revelando como estruturas de poder continuam perpetuando desigualdades sociais e ambientais na região.
Futuros Possíveis
A ficção como ferramenta política para imaginar novos caminhos. Através de narrativas especulativas criadas com as comunidades locais, propomos visões alternativas de desenvolvimento que honram conhecimentos tradicionais enquanto abraçam tecnologias sustentáveis e regenerativas para o Vale.
Ao entrelaçar essas quatro dimensões, o filme convida o espectador a refletir sobre as encruzilhadas que definem não apenas o Vale do Jequitinhonha, mas o Brasil como um todo — um país em constante negociação entre seu passado colonial, suas crises presentes e seus possíveis futuros.
O Epicentro da Crise Climática
O Vale do Jequitinhonha é o epicentro da crise climática no Brasil. Historicamente conhecido como "Vale da Miséria", o Jequitinhonha agora enfrenta uma nova crise que agrava problemas sociais preexistentes. O aumento das temperaturas médias, que em algumas localidades já supera 2,5°C acima das médias históricas, tem provocado secas prolongadas, desertificação acelerada e escassez hídrica crítica. As causas deste fenômeno são múltiplas mas tem a mesma origem: racismo ambiental e economia de exaustão.

Com 70% de pardos e pretos, o Vale é a Minas Gerais mais negra, e a mais minerada. 80% de toda a atividade de mineração no Brasil está concentrada em territórios com mais de 60% de pessoas negras. O modelo predatório e colonialista persiste. Agora explorando lítio, mineral crítico, considerado essencial à transição energética. Com 15% de todo o lítio da Terra, o recurso natural não fará que a região se torne um ator geopolítico estratégico, mas ao contrário, acelera a devastação.

Comunidades tradicionais, agricultores familiares e populações quilombolas são os mais afetados pela extrema vulnerabilidade climática, perdendo meios de subsistência e se tornarão refugiados climáticos se nada for feito de imediato. O filme, contudo, não faz denúncia. Intervém sobre a realidade para a construção das alternativas políticas, e deste modo, torna o cinema revolucionário de novo.
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Três Biomas, Três Séculos
Caatinga
A resistência impressa na vegetação que sobrevive ao seco. Como as pessoas do Vale, renasce a cada chuva. Suas plantas adaptadas - mandacarus, xique-xiques e juremas - são testemunhas da capacidade de resistir às adversidades. Os moradores do Vale aprenderam com essa paisagem a arte da paciência e da perseverança, desenvolvendo tecnologias ancestrais para conviver com a estiagem
Cerrado
O celeiro biodiverso sendo devorado pelo agronegócio. Árvores retorcidas guardam sabedoria ancestral. Este bioma, segundo maior do Brasil, abriga nascentes de importantes bacias hidrográficas que alimentam o Vale. Suas frutas nativas - pequi, buriti, mangaba - sustentaram gerações e inspiraram artesanatos locais. Hoje, enfrenta a expansão desenfreada de monoculturas que ameaçam não apenas a natureza, mas também os modos de vida tradicionais.
Mata Atlântica
Vestígios da floresta que cobria o litoral. Fragmentos verdes que insistem em existir. Reduzida a menos de 10% de sua extensão original, ainda abriga uma diversidade impressionante de espécies endêmicas. No Vale, suas áreas remanescentes são refúgios de biodiversidade que protegem nascentes e regulam o clima local. Comunidades tradicionais guardam conhecimentos sobre plantas medicinais que só existem neste bioma ameaçado pelo avanço urbano e industrial.
Racismo Ambiental
A história do Vale do Jequitinhonha é marcada pela exploração dos recursos naturais e das populações vulneráveis, configurando um claro exemplo de racismo ambiental no Brasil.
Século XVIII
Extração de ouro e diamantes. Riquezas fluem para Portugal. Escravizados morrem nas minas.
O ciclo do ouro trouxe riqueza para a Coroa Portuguesa enquanto devastava os rios e arrancava milhares de vidas negras. Comunidades inteiras foram escravizadas para trabalhar em condições desumanas, enfrentando doenças, acidentes e execuções sumárias.
2
Século XIX
Desmatamento para plantações. Comunidades tradicionais são expulsas de suas terras.
Com o declínio da mineração, grandes áreas foram desmatadas para monoculturas. Populações quilombolas e indígenas perderam territórios ancestrais. A Lei de Terras de 1850 institucionalizou a exclusão, impedindo que ex-escravizados se tornassem proprietários.
Século XX
Barragens e projetos "desenvolvimentistas". Rios são desviados. Territórios são inundados.
Durante o regime militar, grandes barragens forçaram o deslocamento de milhares de famílias. A Hidrelétrica de Itaperica inundou comunidades centenárias. O reflorestamento com eucalipto para abastecer siderúrgicas secou nascentes e reduziu a biodiversidade local.
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Século XXI
Extração de lítio para "energia limpa". O verde da transição energética é vermelho-sangue.
Hoje, o Vale se torna centro da exploração de lítio para baterias de carros elétricos. A mineração contamina águas, provoca doenças respiratórias e perpetua o ciclo de exploração. As comunidades locais raramente participam das decisões ou recebem benefícios deste "desenvolvimento".
Este padrão histórico revela como populações racializadas sofrem desproporcionalmente os impactos ambientais negativos, enquanto os benefícios econômicos são direcionados às elites distantes do território.
A Virada Demográfica
Essa transformação demográfica desafia não apenas as estruturas sociais estabelecidas, mas também convida a sociedade brasileira a uma profunda reflexção sobre identidade, pertencimento e cidadania em um país profundamente marcado por desigualdades raciais, apesar de sua diversidade étnico-cultural.
Censo 2022
Pela primeira vez, a população parda é majoritária no Brasil. Os dados revelam uma mudança histórica na composição étnica do país, com 45,3% de pessoas autodeclaradas pardas superando os 43,5% de brancos.
Parditude
Uma identidade mestiça emerge como força política e cultural. Esse movimento representa não apenas uma afirmação demográfica, mas também uma ressignificação da mestiçagem brasileira que por séculos foi instrumentalizada pelo mito da democracia racial.
Reconfiguração
Estruturas de poder tradicionalmente brancas são questionadas. A ascensão demográfica parda impulsiona reivindicações por representatividade nas instituições políticas, nos meios de comunicação, nas universidades e no mercado de trabalho.
Novo Capítulo
Uma oportunidade histórica para reescrever a narrativa nacional. A maioria parda convida o Brasil a reconciliar-se com sua própria história, reconhecendo tanto as violências do processo de miscigenação quanto a resistência e criatividade cultural que emergiram desse contexto.
Entre o Apagamento e a Potência
A experiência dos brasileiros pardos representa uma jornada complexa através da história nacional. Por séculos, a mestiçagem foi simultaneamente celebrada como símbolo da "democracia racial" e invisibilizada nas estruturas de poder e representação.
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Potência Revolucionária
A parditude como força de transformação social
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Reconhecimento
Luta por visibilidade e direitos
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Ambiguidade
Entre o privilégio da branquitude e a opressão da negritude
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Apagamento Histórico
Invisibilização e marginalização da mestiçagem
O apagamento histórico da identidade parda revela como os sistemas coloniais de classificação racial tentaram simplificar a complexidade brasileira em categorias rígidas. Esta invisibilização sistemática contribuiu para a negação de direitos e representatividade às pessoas mestiças, que constituem a maioria da população.
A ambiguidade vivida por pessoas pardas manifesta-se no cotidiano através de experiências contraditórias: ora recebendo vantagens relativas em comparação a pessoas negras, ora enfrentando discriminações e exclusões por não serem brancas. Esta posição intermediária cria tensões identitárias únicas que moldam a experiência mestiça brasileira.
O reconhecimento da parditude enquanto categoria política representa um avanço significativo na luta antirracista brasileira, permitindo que milhões de pessoas encontrem um lugar de pertencimento e autoafirmação. Este processo de reconhecimento desafia tanto o mito da democracia racial quanto narrativas binárias sobre raça no Brasil.
A potência revolucionária desta maioria demográfica emerge como possibilidade de reconfiguração das estruturas sociais brasileiras, propondo novos modelos de sociedade que transcendam as hierarquias raciais herdadas do colonialismo e da escravidão, sem apagar as especificidades e diferenças que constituem nossa experiência histórica.
O Processo Criativo
Para traduzir essas questões identitárias em linguagem cinematográfica, o diretor mergulha em um intenso processo de pesquisa e experimentação.
Investigação
Entrevistas com familiares, pesquisa histórica e genealógica. Busca por documentos e fotografias que testemunham a trajetória familiar.
Experimentação
Testes de linguagem audiovisual que possam expressar a complexidade das identidades mestiças. Uso de recursos poéticos e metafóricos.
Colaboração
Diálogo com outros artistas e ativistas que também trabalham questões raciais. Criação de uma rede de apoio e troca.
Realização
Produção do documentário como ato político e pessoal. A câmera torna-se ferramenta de transformação social e autoanálise.
A Viagem Ancestral
Uma jornada de autodescoberta que atravessa o Atlântico, conectando histórias separadas por séculos de diáspora. Esta peregrinação não é apenas física, mas um mergulho profundo nas raízes da identidade afro-brasileira.
Partida do Brasil
O diretor deixa o Vale do Jequitinhonha, região marcada por tradições ancestrais e memórias vivas da cultura africana no Brasil. Carrega consigo perguntas sobre identidade e pertencimento que o perseguem desde a infância. As paisagens áridas de Minas Gerais, tão parecidas com certas regiões africanas, já anunciam um retorno.
Chegada à Costa da Mina
Pisar na terra africana desperta sensações profundas que transcendem a razão. É simultaneamente um retorno e uma descoberta. O corpo reconhece o que a mente desconhece. O calor do solo, os aromas, as cores e sons familiares-estranhos provocam um turbilhão de emoções. Ancestrais que nunca puderam voltar agora retornam através dele.
Diálogo com Ancestrais
Encontros com comunidades locais revelam conexões inesperadas que desafiam o tempo e o espaço. Rituais compartilhados, gestos idênticos, palavras que resistiram à travessia. Feridas comuns causadas pela colonização e escravidão, sonhos compartilhados de liberdade e reconexão. Os griots locais narram histórias que completam quebra-cabeças familiares incompletos há gerações.
Retorno Transformado
A volta ao Brasil traz um olhar renovado sobre sua terra natal. O que antes parecia estrangeiro agora é reconhecido como próprio, e o que parecia próprio revela suas origens além-mar. A identidade não é resposta, mas pergunta constante que se renova a cada encontro entre o passado e o presente. O documentário que resulta desta viagem não oferece conclusões, mas abre caminhos para que outros brasileiros realizem suas próprias travessias.
Esta jornada transcende o individual para tocar o coletivo. Representa milhões de histórias interrompidas pela diáspora forçada e o esforço contemporâneo de reconstruir pontes sobre o Atlântico, não mais como rota de navios negreiros, mas como caminho de reconexão e cura.
O Pessoal é Político
Crise de Identidade
O diretor confronta suas contradições raciais. Questiona sua posição no mundo. Examina seus privilégios e opressões. Nesta jornada de autoconhecimento, Ricardo Targino enfrenta o desconforto necessário para compreender sua própria existência em uma sociedade racialmente estratificada.
Espelho da Nação
Sua história pessoal reflete a do Brasil. Mestiço, dividido, complexo. Buscando reconciliar suas múltiplas raízes. Como o próprio país, carrega em si as marcas do colonialismo, da escravidão e da tentativa de branqueamento que moldaram profundamente a identidade nacional brasileira.
Corpo como Território
No corpo mestiço inscrevem-se as violências históricas. E também as possibilidades de cura e reconstrução. Este corpo-território torna-se campo de disputa política e simbólica, onde se manifestam tanto as feridas do passado quanto as resistências do presente. A parditude encarna simultaneamente a dor e a potência transformadora.
Ancestralidade Reconectada
A busca por raízes negadas e apagadas pela história oficial. Um movimento de reapropriação e valorização das heranças africanas e indígenas. Este processo de reconexão com ancestrais silenciados permite imaginar futuros onde a diversidade seja celebrada, não como mito da democracia racial, mas como realidade de equidade e justiça.
O Túnel Transatlântico
Escavar a memória
Desenterrar histórias silenciadas pela colonização e resgatar narrativas que foram apagadas pelo tempo. Um processo de arqueologia emocional e cultural.
Construir pontes
Religar Brasil e África através de novas conexões culturais, reconhecendo laços ancestrais e criando diálogos que transcendem o oceano que nos separa fisicamente.
Renascer transformado
Emergir em um novo mundo possível onde identidades são reconhecidas em sua totalidade, permitindo uma reconstrução individual e coletiva além das feridas históricas.
A metáfora poderosa de um túnel subterrâneo ligando Brasil e África representa mais que uma conexão física impossível - simboliza um caminho psíquico e espiritual para superar o legado colonial que ainda molda nossas sociedades. Este túnel imaginário funciona como um espaço subterrâneo de resistência, memória e reconciliação, onde as águas do Atlântico não mais separam, mas unem experiências compartilhadas.
Este percurso subaquático convida a uma jornada profunda de autodescoberta, questionando as narrativas oficiais e buscando novas formas de entender nossa história comum. Ao atravessar este túnel simbólico, brasileiros e africanos podem encontrar-se no meio do caminho, reconhecendo-se mutuamente como partes de uma mesma história fragmentada pela violência colonial, agora em processo de reconstrução e cura.
Mate o Homem Branco Dentro de Você
Descolonização Mental
Libertar-se dos padrões eurocêntricos que colonizam nosso pensamento e percepção. Questionar as narrativas históricas dominantes e reconhecer a pluralidade de saberes. Desaprender os valores impostos pela lógica colonial para reconstruir uma visão de mundo mais inclusiva e diversa.
Transformação Interior
Confrontar privilégios e preconceitos internalizados. Reconstruir valores e afetos. Examinar criticamente como estruturas de poder operam em nossas mentes e corpos. Desenvolver uma consciência racial crítica que permita reconhecer e desmantelar padrões opressivos no próprio comportamento.
Revolução Cotidiana
Práticas diárias de resistência contra o racismo estrutural. Pequenos atos de insurreição. Transformar relações sociais através de novas formas de convivência baseadas na equidade e no respeito às diferenças. Criar espaços seguros onde identidades plurais possam florescer sem hierarquias.
Este processo não é sobre culpa ou negação, mas sobre libertação coletiva. Desconstruir o "homem branco interior" significa abandonar estruturas mentais que perpetuam desigualdades e abraçar uma humanidade mais completa e integrada com a diversidade do mundo. É um caminho contínuo de autodescoberta e reconstrução identitária.
Racismo e Crise Climática
A crise climática não é neutra: seus impactos e causas estão profundamente conectados com processos históricos de opressão racial. Entender estas conexões é fundamental para construir justiça ambiental.
Colonialismo
Exploração predatória de territórios e povos
As estruturas coloniais iniciadas há séculos estabeleceram padrões de dominação territorial e exploração que persistem nas relações geopolíticas atuais. Comunidades tradicionais tiveram seus modos de vida e relações sustentáveis com o ambiente sistematicamente destruídos em nome do "progresso".
Extrativismo
Modelo econômico baseado em saques de recursos
A lógica extrativista impõe um sistema de exploração intensiva que trata a natureza apenas como fonte de matérias-primas. Este modelo, iniciado no período colonial, continua alimentando economias do Norte global às custas da devastação ambiental no Sul global, onde vivem majoritariamente populações negras e indígenas.
Desigualdade
Distribuição injusta dos impactos ambientais
As consequências da degradação ambiental não afetam todos igualmente. Comunidades racializadas são as primeiras a sofrerem com desastres climáticos, poluição industrial e falta de acesso a recursos básicos como água potável. Ao mesmo tempo, são as que menos contribuem para as emissões de carbono e têm menor poder de decisão sobre políticas ambientais.
Zonas de Sacrifício
Territórios negros e indígenas condenados à destruição
Áreas habitadas por populações marginalizadas são frequentemente designadas como "zonas de sacrifício" - locais onde se concentram indústrias poluentes, lixões tóxicos e projetos extrativos. Esta distribuição espacial do risco ambiental segue padrões claros de segregação racial, revelando como o racismo estrutural determina quais vidas são consideradas descartáveis no capitalismo global.
A justiça climática exige não apenas soluções técnicas para reduzir emissões, mas uma transformação profunda nas estruturas sociais que perpetuam desigualdades raciais. Não há sustentabilidade real sem enfrentar o racismo ambiental em suas múltiplas dimensões.
O Vale do Lítio
O lítio, mineral crucial para a transição energética global, transforma rapidamente o Vale do Jequitinhonha em nova zona de sacrifício ambiental e social. O greenwashing corporativo esconde a continuidade do modelo colonial extrativista, agora sob o disfarce da "economia verde".
As megacorporações de mineração que chegam à região trazem consigo promessas grandiosas de desenvolvimento, mas repetem práticas históricas de expropriação. Enquanto carros elétricos e baterias de alta tecnologia alimentam o consumo nos países do Norte Global, as comunidades do Vale enfrentam a intensificação da seca, a contaminação dos poucos recursos hídricos disponíveis e a desestruturação de seus modos tradicionais de vida.
Este processo revela como a crise climática e o racismo ambiental estão profundamente conectados, perpetuando desigualdades históricas sob novas roupagens tecnológicas. A chamada "transição justa" se revela injusta quando observamos quem paga o preço real da extração mineral que sustenta as economias verdes globais.
A Estética do Filme
Planos-sequência
Unem corpo e paisagem numa experiência visceral. Através destes planos longos, o espectador é convidado a habitar o território junto com os personagens, respirando o tempo e o espaço em sua totalidade. As imagens sustentadas revelam camadas de significado que escapam ao olhar apressado.
Narrativa Não-linear
Ecoa a fragmentação da memória e desestabiliza certezas. Como a própria experiência do Vale, a cronologia se dobra sobre si mesma, criando justaposições temporais que revelam conexões invisíveis entre passado e presente. Esta estrutura espelhada convida o público a uma postura ativa de reconstituição dos sentidos.
Paleta Sonora Híbrida
Funde o íntimo e o histórico, o tradicional e o experimental. Os cantos de trabalho das mulheres ceramistas misturam-se com texturas sonoras contemporâneas, enquanto o silêncio das paisagens é pontuado por relatos orais carregados de memória. Esta trama sonora constrói uma ponte entre gerações e saberes.
Terracota e Verde
Contraste entre a terra seca e a vida que insiste em brotar. A paleta cromática do filme reflete a dualidade fundamental do Vale do Jequitinhonha: escassez e abundância, tradição e ruptura. Os tons terrosos das cerâmicas e da paisagem árida são interrompidos por lampejos de verde, simbolizando a resistência e a esperança que persistem apesar da exploração.
Construindo Alternativas Políticas ao Apocalipse
Caminhos para um futuro sustentável, inclusivo e emancipatório baseado em conhecimentos ancestrais e inovações comunitárias.
Agroecologia
Sistemas alimentares sustentáveis que respeitam a terra. Alternativa ao modelo predatório do agronegócio. Integra conhecimentos indígenas e camponeses com técnicas modernas para produzir alimentos saudáveis sem agrotóxicos. Fortalece a biodiversidade, a soberania alimentar e as economias locais.
Cultura de Resistência
Preservação e valorização dos saberes tradicionais. A arte como resistência e memória viva. Manifestações culturais que fortalecem identidades e promovem coesão social nas comunidades. Valorização da oralidade, rituais e conhecimentos transmitidos por gerações que resistiram à colonização.
Justiça Climática
Tecnologias sociais que combinam saberes ancestrais e inovação. Autonomia energética comunitária. Defesa dos territórios tradicionais contra o extrativismo predatório. Reparação histórica para comunidades que sofrem desproporcionalmente com as mudanças climáticas e têm menor responsabilidade por sua causa.
Estas alternativas representam não apenas soluções técnicas, mas também propostas políticas que desafiam o modelo de desenvolvimento dominante. São práticas que já existem em várias comunidades e que podem ser ampliadas e multiplicadas como sementes de um futuro mais justo.